'Barra Longa, 10 anos de um silêncio enlameado'
- Talles Costa

- 5 de nov.
- 3 min de leitura

Dez anos se passaram desde o dia em que o Brasil viu, estarrecido, uma onda de rejeitos engolir a história e a dignidade de cidades inteiras. Mas, desde o primeiro dia, quem viveu aquele 5 de novembro de 2015 luta incansavelmente por justiça. Uma dessas pessoas é Valéria Silva, que viu sua cidade, Barra Longa, ser devastada pela lama da Samarco. Hoje, eleita vereadora pela força do voto popular, ela segue transformando a dor em resistência, representando um povo que ainda disputa, dia após dia, o direito de existir com dignidade.
Barra Longa é uma cidade pequena, menos de seis mil habitantes. Mas em nenhum outro lugar - exceto Bento Rodrigues, pelas 19 mortes - a tragédia, que começou em Mariana, deixou marcas tão profundas e tão permanentes. É a única sede urbana a ter sido tomada pela lama, com ruas inteiras soterradas, casas arruinadas e uma rotina que nunca mais voltou a ser o que já foi. Em quase toda a cidade, ainda se enxerga – no olhar dos moradores, no cheiro do chão – o peso do que não foi reparado. A Fundação Renova, criada para conduzir a reparação, não só falhou em cumprir seu papel integralmente como foi extinta sem dar respostas ao que deixou inacabado. E quem paga essa conta? Gente como Valéria, sua família - e aqui vai um abraço ao seu pai, por toda bondade e por ser "boa praça" com pessoas de fora que estavam ali para tentar alguma justiça — que envelhecem em meio ao rejeito nos quintais e à sensação de abandono.
Entre 2017 e 2018, eu, Talles Costa, tive a oportunidade de estar nesse território, atuando como consultor de campo pela H&P Solutions, colhendo relatos, registrando memórias, tentando entender com precisão onde estava o fio da verdade. Foi ali que conheci Valéria, sua força, sua família, e praticamente toda a cidade que, mesmo coberta de lama, seguia firme na luta por justiça. Lembro-me de cada conversa, cada olhar cansado — cada caderno antigo coberto pela poeira que tomava o lugar. Mas lembro também que, mesmo sob os escombros, havia um senso coletivo de dignidade que sempre me emocionou.
O mais irônico — e trágico — é que meu último dia de trabalho nesse projeto foi 25 de janeiro de 2019 - data do meu exame demissional - quando, pela segunda vez, acordei diante de uma nova tragédia. Foi o dia do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho. A história se repetiu. A lama voltou a correr. E, naquele instante, percebi com clareza que o rompimento de barragens não seria apenas um episódio no meu trabalho. Seria um marco eterno na minha vida — como tem sido na vida de tantos outros. E nesse ponto, nada supera a perda de Hugo Maxs, meu primo.
As pessoas morrem, sim, esperando justiça. A lama leva casas, carros, árvores, vidas. Leva tudo. Mas leva também algo que não se mede em metro cúbico: leva o sentimento de pertencimento, derruba certidões de origem, destrói laços afetivos invisíveis. A lama carrega um vazio que nenhum acordo judicial ou indenização consegue preencher.
E por isso, quando olho para Barra Longa, vejo ali o símbolo de um país que não conseguiu proteger sua gente — e que ainda insiste em fazer vistas grossas para quem perdeu tudo. Vejo também Brumadinho — onde sete anos depois, muitos ainda esperam pela integral reparação e por um Estado disposto a olhar de frente para sua própria ferida.
Valéria segue firme, porque o que ela quer não é consolo: é justiça. E se desde o dia um essa luta começou na lama, ela também começou com coragem. Porque quem tem sua rua soterrada, seu rio envenenado e sua memória apagada pela ganância, aprende cedo que só quem insiste resiste. E quem resiste, transforma dor em legado.
Barra Longa resiste. Brumadinho resiste. E nós seguimos — denunciando, contando, cronicando. Não por hábito, mas por compromisso. Até que haja justiça para todos, e a lama dê lugar, enfim, ao respeito que as vítimas nunca deixaram de merecer.
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Talles Costa
Editor-chefe do Portal Independente Jornalista Esportivo e Político
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