O Instituto Inhotim é conhecido mundialmente como o maior museu a céu aberto do mundo. Este notável espaço cultural abriga uma vasta coleção de arte contemporânea e jardins botânicos impressionantes. No entanto, por trás dessa fachada de beleza e cultura, o Inhotim enfrenta uma crise que ameaça um de seus legados mais valiosos: seus programas musicais. A comunidade de Brumadinho, especialmente os músicos locais e ex-alunos dos projetos musicais do Inhotim, manifestou uma profunda insatisfação com a atual gestão desses programas. O epicentro dessa insatisfação está na demissão do Maestro César Timóteo e na substituição por Leandro Oliveira, um maestro de São Paulo cuja gestão tem sido alvo de severas críticas.
Os projetos musicais do Inhotim, sob a batuta do Maestro César Timóteo, sempre foram uma referência de sucesso e inclusão. A Orquestra do Inhotim, composta por cerca de 15 membros locais, incluía cotas para músicos da região e era bem recebida pela comunidade. A Escola de Cordas, além de sua função formativa profissional, também possuía um caráter humanitário, influenciando muitos jovens a seguirem a carreira musical. O Maestro César era mais do que um líder; ele era um mentor, um guia que inspirava e motivava seus alunos a alcançar novos patamares.
"Eu comecei na Escola de Cordas em 2012, e desde então, minha vida mudou completamente," relembra Iago Ferreira, ex-aluno e atual professor de música. "Durante esse tempo convivi com várias pessoas e pude perceber que o estudo da música fez e ainda faz grande diferença, não apenas como mais uma opção de trabalho, mas como um meio para se entender, se desenvolver e de incentivar a arte na nossa cidade."
Declínio e descontentamento
No entanto, tudo mudou com a inesperada demissão do Maestro César. Segundo relatos dos músicos, essa mudança ocorreu sem explicações claras, aparentando ter motivações políticas. Desde a chegada de Leandro, o novo maestro, os relatos apontam uma drástica queda na qualidade e na gestão dos projetos musicais, gerando descontentamento e afastamento da comunidade local.
Atualmente, a Orquestra do Inhotim conta com apenas três músicos de Brumadinho, uma redução drástica em comparação com o período anterior. Muitos músicos deixaram o projeto devido a discordâncias com Leandro, que teria feito comentários inadequados sobre a gravidez de musicistas, sugerindo que elas reconsiderassem a maternidade se quisessem continuar na orquestra.
Os projetos musicais também sofreram declínio significativo. Famílias retiraram seus filhos, acusando Leandro de falta de comprometimento com a comunidade. A nova gestão teria direcionado os estudos para a música contemporânea, sem aplicabilidade profissional e sem ensinar o básico, como leitura de partituras.
Como podemos ver nas fotos abaixo em que o Portal independente teve acesso, mostra a diferença de público. A primeira, com a plateia cheia, em apresentação sob batuta do Maestro César Timóteo, e a segunda já sob comando de Leandro Oliveira.
Vozes da comunidade
Iago Ferreira é uma das vozes mais fortes que se levantam contra a nova gestão. A Escola de Cordas deixou de ser um lugar de oportunidade e aprendizado e se tornou um lugar indesejado pela população. Ele descreve como a mudança de direção em 2023 desconsidera a população de Brumadinho e trata professores, monitores, pais e alunos com desrespeito. “Eu, como morador de Brumadinho, músico profissional, professor de música e resultado do próprio projeto me sinto extremamente chateado e impotente diante dessa situação, onde um projeto tão lindo, que mudou tantas vidas e agregava de forma significativa para a cidade, tem perdido o sentido e se tornado um projeto “morto”, insignificante e indesejado pela população Brumadinhense,” comenta.
(Iago, ainda adolescente, no inicio de sua carreira, participando do Projeto. A segunda foto ilustra o jovem hoje, ja musico profissional.)
Uma outra ex-aluna, não identificada por ser menor, compartilha sua frustração. "Eu comecei no projeto aos 10 anos, e o Maestro César sempre buscava a nossa evolução. Com a chegada de Leandro, as aulas perderam qualidade. Ele misturava alunos de diferentes níveis, o que estagnava o progresso dos mais avançados." Ela relata uma apresentação realizada sob condições inadequadas, que culminou em sua decisão de abandonar o projeto. "Foi triste e desmotivador ver algo que me deu tanta alegria se deteriorar assim."
Impactos e perspectivas
A desorganização e a falta de direção pedagógica são queixas recorrentes entre os alunos. Uma aluna, que preferiu não se identificar, criticou a mistura de novatos com veteranos, dificultando o aprendizado. "Antes, cada um tinha seu espaço e ritmo de aprendizado respeitado. Agora, somos todos jogados juntos, e isso atrapalha tanto os iniciantes quanto os mais experientes. É frustrante."
Ela também lamenta a saída de professores dedicados e o desinteresse da nova gestão em manter um ensino de qualidade. "O projeto, que antes era uma referência gratuita de ensino musical, perdeu sua essência e deixou de ser considerado uma verdadeira escola de música. Perdi amigos e mentores porque eles não aguentaram o desrespeito."
Outro ex-aluno, que também pediu anonimato, destacou que, sob a gestão de Leandro, a comunidade de Brumadinho se distanciou dos projetos. "Antes, havia intercâmbios com outras orquestras, apresentações em várias cidades e um incentivo real para seguir carreira musical. Hoje, a percepção é de que o tempo investido pelos alunos é apenas um passatempo, sem a orientação adequada para desenvolver suas habilidades musicais."
Tentativas de contato e falta de resposta
O Portal Independente, representado pelo jornalista Talles Costa, tentou contato com a Assessoria de Comunicação do Inhotim por duas vezes, nos dias 23 e 28 de maio, solicitando esclarecimentos sobre as denúncias, mas não obteve resposta. A comunidade de Brumadinho aguarda uma resposta adequada do Instituto diante das denúncias, esperando que a Vale, patrocinadora do Inhotim, considere as preocupações da população local.
O Instituto Inhotim, que já foi um símbolo de inclusão e desenvolvimento cultural através da música, enfrenta uma crise que ameaça destruir um legado construído com muito esforço. A comunidade de Brumadinho, que sempre viu nos projetos musicais do Inhotim uma oportunidade de crescimento e transformação, agora se sente desamparada e desrespeitada.
"A música era nossa paixão, nossa vida. O que estão fazendo com o projeto é um desrespeito com todos nós que dedicamos nosso tempo e nosso coração," afirma um aluno. Resta esperar que as vozes da comunidade sejam ouvidas e que medidas sejam tomadas para restaurar a qualidade e o espírito original dos projetos musicais do Inhotim. O futuro da música em Brumadinho depende disso. "Não queremos perder algo que é tão importante para nossa comunidade. Queremos ser ouvidos e respeitados," conclui, com um tom de esperança misturado à frustração.
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