Atingidos de Brumadinho denunciam obras da reparação: "Reparação está agravando os danos"
- Talles Costa
- há 16 horas
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As Comissões de Atingidos e movimentos civis auto-organizados de Brumadinho, na Região 1, divulgaram uma carta-denúncia contundente apontando suspeitas de graves irregularidades na execução das ações do Anexo I.4 do Acordo Judicial de Reparação Integral (AJRI), firmado após o rompimento da barragem da Vale S.A. em 2019. O documento, datado de 30 de maio de 2025, critica veementemente a falta de participação informada das comunidades, o descumprimento das prioridades definidas em consulta popular e os impactos socioambientais agravados por obras que, segundo os moradores, se desviam dos objetivos de uma reparação justa e integral. A denúncia detalha casos de desmatamento em áreas de proteção, alterações urbanísticas questionáveis e a ausência de transparência nos processos de licenciamento, gerando profunda preocupação entre os brumadinhenses.
O Anexo I.4 do Acordo Judicial, assinado em 4 de fevereiro de 2021, foi idealizado para fortalecer os serviços e políticas públicas nos municípios impactados pela tragédia, com o detalhamento dos projetos a ser feito pela Vale S.A., mas observando um processo de consulta para priorização. Em Brumadinho, essa consulta popular contou com a participação de 2.551 pessoas, que definiram como temas prioritários: Saúde; Infraestrutura Urbana e Rural e Habitação; Emprego, Renda e Empreendedorismo; e Água, Saneamento, Meio Ambiente e Resíduos Sólidos. No entanto, a carta-denúncia afirma que os projetos em andamento, especialmente de janeiro a maio de 2025, têm se distanciado desses interesses coletivos e das reais necessidades das comunidades, esvaziando o sentido da consulta popular e tomando decisões sem a devida participação informada dos atingidos.
As comunidades relatam que, entre 2021 e 2025, os problemas ambientais e urbanísticos foram intensificados, notadamente após as enchentes de 2021 e 2022, que arrastaram rejeitos do Rio Paraopeba para áreas urbanas ribeirinhas. No contexto do Anexo I.4, obras têm sido justificadas sob o pretexto de "agilidade", com a alegação de "impossibilidade" de revisão com a equipe técnica da Vale S.A., o que, segundo a denúncia, está resultando em degradação ambiental, alterações na estrutura urbana com foco rodoviário e diversos problemas sociais que inquietam os moradores locais.
A denúncia aponta ainda que, no âmbito municipal, projetos convertidos e agora executados pela Prefeitura de Brumadinho estariam na contramão das discussões ambientais globais sobre emergência climática. Há um movimento constante do Executivo e Legislativo local para promover alterações fragmentadas no Plano Diretor Municipal, como a última, via Projeto de Lei Complementar nº 01/2025, aprovado em 27 de março de 2025, que visa modificar o perímetro urbano e definir novos parâmetros urbanísticos. Essas mudanças estariam sendo realizadas para fundamentar a implementação de projetos do Anexo I.4, sem a participação transparente dos Conselhos de Políticas Públicas e das comunidades. Além disso, as obras são implantadas sem a devida transparência nos processos de Licenciamentos Ambientais e Urbanísticos, que são exigidos pelas legislações municipais e federais, pela Constituição de 1988, pela Política Nacional do Meio Ambiente, entre outras leis.
Aceleração na emissão de licenças em 2025, sob a justificativa de rapidez nas intervenções, sem a participação social prévia, é outra preocupação. Os estudos técnicos e diagnósticos prévios estariam ausentes ou não apresentados, com obras iniciando fisicamente antes mesmo da finalização de projetos conceituais. Como exemplo concreto, em maio de 2025, uma obra do Anexo I.4, sob responsabilidade da Prefeitura, foi suspensa pela Polícia Militar Ambiental por graves irregularidades, incluindo desmatamento de aproximadamente 4,5 hectares de Mata Atlântica em Área de Preservação Permanente (APP) na região de Palhano.
As comunidades de Brumadinho relatam terem presenciado desmatamentos em áreas de proteção, asfaltamento de vias sem cuidados com micro e macrodrenagem, movimentações de terra que ignoram a drenagem natural e corredores ecológicos. Moradores, em especial os idosos, estariam sendo pressionados a ceder terrenos sem documentação ou diálogo prévio. As ações carecem de identificação, comunicação pública e prestação de contas nos canais institucionais, contrariando Termos de Compromisso e a Lei de Acesso à Informação. A denúncia aponta uma sobreposição indevida de funções do poder público municipal, atuando como licenciador, executor e fiscalizador, e exige esclarecimentos sobre a estrutura do Executivo dedicada à reparação, incluindo o papel do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (CODEMA), e a estrutura de acompanhamento e controle do governo estadual.
Um agravante significativo é a contaminação do Rio Paraopeba, que permanece sem uma perspectiva clara de recuperação. A denúncia enfatiza a ausência de discussão sobre a integração das obras com a defesa do território e conceitos de planejamento sustentável, priorizando a "agilidade" em detrimento das salvaguardas ambientais e sociais, o que estaria gerando novos danos além dos causados pelo rompimento de 2019. O uso político das obras, o descaso com a legislação e a exclusão das comunidades revelam um modelo de "reparação" que perpetua os danos, ameaçando distritos, mananciais e unidades de conservação com decisões arbitrárias.
A carta detalha casos específicos, como as obras de alargamento e melhorias da Estrada no Eixo Central (OBR00000067), onde houve desmatamento de APP e despejo de árvores em córrego, além de preocupações com o licenciamento ambiental devido à inconstituição do CODEMA. Na “Requalificação de Centros Urbanos: Obras de Referência – Brumadinho (OBR00000086)”, em Piedade do Paraopeba, a apresentação do projeto foi feita de forma inadequada, com alterações que descaracterizam a comunidade e o projeto avançando sem aprovação completa. Para a iniciativa “Requalificação de Centros Urbanos: Bem-vindo a Brumadinho (OBR00000151)”, no bairro Santa Cruz, a mudança de pavimentação de asfalto para bloco intertravado e a interdição do tráfego de caminhões levantam questões sobre desapropriações e impactos aos comerciantes locais. Em relação à “Obra de Construção da Ponte Melo Franco - Ponte dos Almorreimas Maricota (OBR00000068)”, há questionamentos sobre a solicitação de mudança do local de implantação da ponte sem debate público, contrariando cláusulas do Termo de Compromisso.
Por fim, as comunidades expressam preocupação com a Lei Municipal nº 2.933/2025, que vinculou iniciativas do Anexo I.4 à Secretaria de Meio Ambiente sem detalhar valores ou possibilidade de remanejamento, além da falta de transparência sobre projetos convertidos no site da Prefeitura. Diante de tudo isso, as comunidades reivindicam: retomada da consulta popular; transparência das ações do Anexo I.4, com divulgação imediata de toda a documentação; atualização frequente do site Projeto Rio Paraopeba; disponibilização da localização georreferenciada das obras municipais; divulgação pública dos responsáveis técnicos; prestação de contas detalhada dos recursos da reparação; esclarecimento do processo de licenciamento ambiental das obras; esclarecimento sobre desapropriações em terrenos da Vale S.A.; apresentação das estruturas de acompanhamento e controle dos projetos nas esferas municipal e estadual; atuação imediata do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) para fiscalização orçamentária e legalidade dos atos; e a suspensão imediata de todas as obras do Anexo I.4 sem tratamento ambiental adequado e licenciamento público.
As Comissões de Atingidos e Atingidas da Região 1 reafirmam sua luta por uma reparação justa, transparente, ambientalmente responsável e centrada nas vítimas do crime da Vale S.A., repudiando a condução política e tecnocrática da reparação que ignora os atingidos e agrava os danos socioambientais. Eles prometem seguir atentos, mobilizados e firmes na defesa do território, da dignidade e do direito à reparação integral.
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