Anexo I.1 em risco: tentativa de desviar R$3 bi da reparação de Brumadinho revitimiza atingidos
- Talles Costa
- 28 de abr.
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Seis anos após o crime que matou 272 pessoas e devastou o meio ambiente, os atingidos pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho travam mais uma batalha por justiça. Desta vez, a ameaça vem de dentro do próprio processo de reparação: uma proposta que pretende desviar parte dos R$ 3 bilhões destinados à recuperação socioeconômica das comunidades para custear assessorias técnicas, contrariando acordos judiciais e violando direitos já tão negados. O Movimento Paraopeba Participa, que representa as vítimas, denuncia a manobra como mais uma tentativa de enfraquecer a autonomia das famílias e transferir para elas um ônus que é exclusivo da mineradora.
A tragédia de 25 de janeiro de 2019, classificada como crime e não como acidente, deixou marcas profundas no território e na vida de milhares de pessoas. Além das mortes, o desastre interrompeu sonhos, destruiu modos de vida e contaminou o Rio Paraopeba, essencial para a subsistência local. O acordo judicial firmado em 2021 previa, no Anexo I.1, uma verba específica para projetos de reconstrução econômica e social, mas agora há risco de que parte desses recursos seja redirecionada para pagar Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) — algo que, segundo os atingidos, fere a transparência e a justiça do processo.
A denúncia aponta conflitos de interesses e uma perigosa inversão de responsabilidades. Pela lei, a Vale é obrigada a custear as ATIs, que têm papel crucial na defesa técnica dos direitos das comunidades. Se os R$ 3 bilhões forem usados para essa finalidade, o orçamento destinado a reparar danos concretos — como geração de renda, reassentamento e recuperação ambiental — ficará comprometido. "É como se a empresa, depois de causar a tragédia, ainda quisesse controlar até o dinheiro que deveria nos ajudar a reconstruir a vida", desabafa uma moradora da região, que preferiu não se identificar.
Além da questão financeira, há um princípio em jogo: a participação popular. Convenções internacionais, como a OIT 169, garantem aos atingidos o direito de decidir sobre medidas que os afetam. A tentativa de redirecionar verbas sem consulta ampla é vista como mais uma violação. "Querem enfraquecer nossa voz justamente quando mais precisamos dela", afirma um integrante do movimento. Entre as exigências das comunidades estão a retirada imediata da proposta, a revisão equitativa da divisão de recursos entre as regiões afetadas e a garantia de que nenhum centavo do Anexo I.1 será usado para fins alheios à reparação direta.
A luta de Brumadinho transcende o local. Ela simboliza a resistência contra um modelo que prioriza lucros em detrimento de vidas e que, mesmo após tragédias anunciadas, insiste em negar reparações dignas. Enquanto famílias seguem enterrando seus mortos e tentando recomeçar, a disputa por esses recursos revela que a justiça ainda não chegou — e que, sem pressão social, pode ser mais uma vez adiada.
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